Carvalhão, D. (2024). A.I. - Inteligência Artificial para Todos. Actual Editora.
Rui Alexandre Grácio [2024]
A nota biográfica do autor, Daniel Carvalhão, é significativa, pois apresenta-o como empreendedor e liga-o a várias start-up. Percebe-se que é fã das soluções tecnológicas mas que, ao mesmo tempo, adopta uma atitude prudente de questionamento. No entanto, no prefácio há duas expressões que são sintomáticas: por um lado é utilizado o argumento do “ficar para trás”, caso se perca o avanço tecnológico; por outro, é utilizado também o argumento de que a tecnologia é neutra (nem boa, nem má; apenas uma ferramenta que pode ser bem ou mal usada), indiciando uma perspetiva antropocêntrica que parece não ter em conta o carácter simbiótico do humano e do maquínico e a dimensão constitutiva (no plano ético, também) das mediações.
De qualquer forma, estamos perante um livro fácil de ler, sem preocupações de grande aprofundamento mas, como sugere o autor, capaz de nos munir com algumas noções para ter uma boa conversa sobre o tema. Aliás, o livro incentiva a que participemos no debate sobre a IA, considerando essa discussão como algo de crucial nos tempos que correm.
Daniel Carvalhão apresenta a sua própria teoria ou modelo, a saber a “teoria da pirâmide do esforço cognitivo” (p. 29). Nela diferencia níveis de esforço cognitivo implicado nas atividades humanas e a sua progressiva substituição por processos automáticos (os cinco níveis são trabalho manual repetitivo, trabalho intelectual repetitivo, interação entre sistemas caóticos e não caóticos, interação entre sistemas caóticos e, no topo da pirâmide, o trabalho criativo e de I&D). No fundo, trata-se de tipos de atividades em que se caminha da operacionalidade humana para a operacionalidade técnica (o que coloca a questão do emprego e do futuro do trabalho, também referida no livro) e que culmina na IA, considerada pelo autor como a “última tecnologia” (p. 151), uma vez que as restantes tecnologias serão criadas pela própria IA.
Numa escrita informal, Daniel Carvalhão leva-nos a este mundo novo que está a ser criado pela utilização da IA e, na parte final, apresenta algumas ferramentas que podem ser utilizadas e as suas potencialidades. Adoptando uma perspetiva prática, a ideia é sempre a de poupar tempo. “Com estas noções, o leitor deverá ser capaz de integrar o uso de ferramentas mais avançadas de IA no seu trabalho do dia-a-dia, poupando centenas de horas de trabalho e mudando a sua forma de viver, espero, para melhor” (p. 150). Na leveza intencional da sua escrita, o autor não questiona a vocação mercadológica desta tecnologia, nem faz referência ao capitalismo de vigilância. Apesar de mencionar várias vezes a infelicidade de grande parte de recursos mais sofisticados serem pagos, nem por isso explora, quer a vida orientada para o mercado, quer a visão de produto que esta tecnologia convoca, quer, ainda, as consequências de uma sociedade em que o acesso à inteligência terá de ser paga e em que as empresas tecnológicas privadas acumularão um poder tendencialmente totalitário. É que, ao contrário do que o título indica — e por variadas razões — a IA não será para todos.
Última atualização em 9 de abril de 2025