Bruno, F.; Bentes, A. & Faltay, P. (2019). Economia psíquica dos algoritmos e laboratório de plataforma: mercado, ciência e modulação do comportamento. Revista Famecos, V. 26, N. 3, set.-dez.
Rui Alexandre Grácio [2024]
«RESUMO: o extensivo e ininterrupto monitoramento de nossas ações online integram as engrenagens de um investimento econômico que direciona imensos volumes de dados para aplicação de estratégias de modificação do comportamento humano. Nesse contexto, observamos um aumento do interesse tecnocientífico, econômico e social em processos algorítmicos de extração e utilização de dados psíquicos e emocionais. Este artigo tem como objetivo apresentar reflexões sobre essa Economia Psíquica dos Algoritmos, enfatizando sua inquietante dimensão laboratorial. Analisando casos recentes e aspectos da arquitetura das plataformas digitais, mostraremos como o uso desses dados articula três camadas: a econômica; a epistemológica; e a de gestão e controle comportamental. Notaremos que o cruzamento dessas camadas tornam as fronteiras entre o laboratório e a vida social extremamente tênues, o que nos convoca a recolocar o problema das relações entre ciência, tecnologia e sociedade nesse novo cenário.
Palavras-Chave: Algoritmos. laboratório de Plataforma. subjetividade.» (pp.1-2)
«Nossos smartphones são um questionário psicológico que está sendo constantemente preenchido, tanto consciente quanto inconscientemente.» (Epígrafe, p. 2)
«Por economia psíquica dos algoritmos (BRuNO, 2018) designamos o investimento contemporâneo – tecnocientífico, econômico e social – em processos algorítmicos de captura, análise e utilização de informações psíquicas e emocionais extraídas de nossos dados e ações em plataformas digitais (redes sociais, aplicativos, serviços de streaming, plataformas de compartilhamento e/ou consumo de conteúdo audiovisual etc.). As informações que interessam ao veloz capitalismo de dados não são mais apenas os rastros de nossas ações e interações (cliques, curtidas, compartilhamentos, visualizações, postagens), mas também sua “tonalidade” psíquica e emocional. É esta economia psíquica e afetiva que alimenta as atuais estratégias de previsão e indução de comportamentos nas plataformas digitais (e eventualmente fora delas).» (p. 5)
«No seio desta lógica, os dados pessoais digitais e suas informações psíquicas e emocionais são simultaneamente: a principal “moeda” do modelo de negócios que prevalece nas plataformas digitais; a fonte privilegiada de conhecimento de uma nova ciência de dados; um meio de controle do comportamento, orientado para diferentes fins, do consumo ao voto.
Essa tríplice característica dos dados psíquicos e emocionais constituem as três camadas da economia psíquica dos algoritmos que serão exploradas neste artigo: a camada propriamente econômica ou mercadológica; a camada epistemológica, voltada para a produção de conhecimento sobre indivíduos e populações; e a camada de gestão e controle comportamental.» (p. 5)
«As fronteiras entre o laboratório e a vida social, política e subjetiva tornam-se extremamente tênues. Estamos diante de um laboratório-mundo ou de uma ciência de plataforma5 , intimamente conectados às engrenagens do mercado de dados pessoais, em que uma complexa e crescente economia psíquica e emocional nutre algoritmos que pretendem nos conhecer melhor do que nós mesmos, além de fazer previsões e intervenções sobre nossas emoções e condutas (BRUNO, 2018).» (p. 6)
«Nesse sentido, mais importante do que o modelo de publicidade presente nestas plataformas é a promessa e capacidade de agir sobre os comportamentos enquanto eles acontecem.» (p. 7).
«Como se pode ver, trata-se tanto de uma mudança na estratégia de marketing e comércio de dados, quanto de um deslocamento histórico na produção de conhecimento sobre indivíduos e populações. Mais precisamente, trata-se de um saber que se exerce privilegiadamente sobre dividualidades 9 e não tanto sobre indivíduos (DELEUZE, 1992; LAZZARATO, 2014; ROUVROy; BERNS, 2015).» (p. 8).
«explorar vulnerabilidade cognitivas e emocionais a fim de influenciar o processo de tomada de decisão e o comportamento dos usuários. (…) Nas aplicações computacionais que têm essas teorias como modelo epistemológico, os usuários não são concebidos como consumidores racionais e perfeitamente informados, mas sim como impulsivos e “previsivelmente irracionais”.»( p. 10)
«Fica mais claro, a essa altura, de que modo se entrecruzam as três camadas que retroalimenta a economia psíquica dos algoritmos. Processos automatizados de captura, análise e utilização de dados psíquicos e emocionais estão na base de um modelo de negócios que é inseparável de modelos específicos de conhecimento sobre a cognição e o comportamento humanos que, por sua vez, estão atrelados a estratégias de gestão de condutas, como veremos no próximo tópico.» (p. 10)
«De uma certa perspectiva, podemos ver o modelo da captura/engajamento como uma espécie de aceleração do modelo preditivo: o aumento da capacidade e velocidade de monitoramento e processamento em tempo real das ações dos usuários online torna dispensável a previsão, permitindo que os algoritmos atuem de modo ainda mais performativo do que no modelo preditivo, intervindo no próprio fluxo das condutas enquanto elas acontecem. (…) Nos últimos anos, desenvolvedores digitais têm se voltado cada vez mais para a arquitetura e o design desses sistemas, visando não apenas prever preferências, interesses e comportamentos futuros, mas sobretudo capturar, enganchar e engajar a atenção de usuários.» (p. 12)
«Engendrando, assim, uma lógica circular entre a experimentação da dimensão laboratorial e os efeitos sociais, políticos e subjetivos do capitalismo de dados.
Por isso, um dos principais objetivos das empresas de tecnologia no paradigma da captura é fazer com que o uso de seus serviços não seja apenas um comportamento pontual, mas se torne um hábito. Entendido, nesse contexto tecnobehaviorista do design e da arquitetura das plataformas, como “comportamentos automáticos desencadeados por pistas situacionais: coisas que fazemos com pouco ou nenhum pensamento consciente” (EyAl, 2014, p.8), o hábito é construído por pequenos estímulos e recompensas.» (p. 14)
«Embora alimentada por dados psíquicos e emocionais, o valor dessa economia psíquica dos algoritmos não deriva propriamente da acuidade de previsões de personalidade, mas sim da capacidade de intervir em tempo real nas ações e emoções dos usuários.
O laboratório aqui em questão é, sobretudo, performativo.» (p. 16)
«As inquietações que daí derivam não são apenas sobre ciência mal aplicada, ou sobre negócios e propagandas, nem só sobre vigilância e privacidade. É sobre fabricação de mundos. O que está em jogo é uma economia psíquica dos algoritmos que, com suas estratégias próprias, extrai valor e capitaliza nossa atenção, nossos estados psíquicos e afetivos a fim de produzir efeitos reais nas paisagens de dados e informações por onde trafegamos, em nossa percepção e em nossas condutas.» (p. 18)
Última atualização em 9 de abril de 2025