Rouvroy, A., Entrevista com Antoinette Rouvroy: Governamentalidade Algorítmica e a Morte da Política. Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.8, n.3, dez. 2020, p. 15-28
Rui Alexandre Grácio [2024]
«É um modo de governo relativamente subliminar que consiste em direcionar a atenção das pessoas para certas coisas, modificando o ambiente informativo ou físico para que os comportamentos não sejam mais obrigatórios, mas necessários.» (p. 18)
«O uso dos algoritmos para decisões, nesse sentido, pode parecer tentador para os agentes que desejam diminuir o risco inerente à "decisão". O uso dos algoritmos para decisões também atesta uma saída da era da crítica, na qual a crítica era entendida como a prática ou a virtude de questionar e desafiar a construção social de categorias por meio das quais estamos predispostos a perceber, avaliar e julgar o mundo e seus habitantes.» (p.19)
«Além disso, permitir uma ação preventiva ou uma otimização em tempo real para dissipar os custos da incerteza para o agente ou instituição usando os algoritmos de aprendizado da máquina é também uma forma de "despensar" (dé-penser, em francês, significa, ao mesmo tempo, des-pensar, gastar ou exaurir) o futuro. Ao invés de se relacionar com o futuro por meio da imaginação, precaução, prevenção, projeção, antecipação..., a ideia é reduzir a grande variedade de futuros possíveis a um e apenas um futuro, desprovido de incertezas: substituindo a incerteza pela necessidade. A melhor maneira para se ter certeza do futuro é, de fato, produzi-lo no presente.» (p. 19)
«Mas não é apenas a representação do passado e do presente que é fechada, mas também a imaginação de futuros alternativos.» ( p. 20)
«Mas esta alta resolução digital também implica alta dissolução social: uma expropriação da imaginação política individual e coletiva.» (p. 21)
«A velocidade do pensamento humano, da reflexão, sofre um curto-circuito pela velocidade da tecnologia digital. Há uma elisão do sujeito.» (p. 22)
«Mas o que falta é uma referência coletiva que Guattari e Deleuze chamaram de conjuntos coletivos de enunciação, que enredam, em um território, em uma localidade, uma variedade de componentes semióticos (linguísticos, gestuais, prosódicos, rituais,...) tendo como origem os corpos materiais, orgânicos e seus encontros. Nesses agenciamentos, o significado emerge da coletividade e é absolutamente dependente da territorialidade e da corporeidade em sua semiótica intrincada... tudo isso escapa ao computacional, é claro. Há algo que é secretado pelo "comum", pelo "coletivo", que transcende o indivíduo otimizado por si mesmo ou por si mesma. O comum é, por assim dizer, a quarta pessoa do singular, uma singularidade impessoal do "em comum". Completamente esquecido hoje, é o irrepresentável, o não representado nos dados, o incalculável.» (p. 23).
Última atualização em 9 de abril de 2025