Han, B.-C. (2019). La sociedad de la transparencia. Herder.
Francisco Welligton Barbosa Jr [2025]
Na presente obra, o filósofo germano-coreano Byung-Chul Han discorre sobre o que compreende como transparência e como a nossa sociedade pode ser considerada uma "sociedade da transparência". O autor afirma que a transparência se trata da eliminação da negatividade, ou seja, de qualquer teor ambivalente ou contemplativo relativo às nossas ações cotidianas, seja nas nossas experiências com a linguagem, com o pensamento, comportamentos e sentimentos e na relação com o outro. Em outras palavras: a eliminação de um teor contemplativo na nossa experiência com o mundo.
Para o autor, as nossas práticas e o nosso olhar sobre nós e sobre o mundo cada vez mais vêm se tornando transparentes, traduzidos consoante códigos de uma máquina operacional, os quais, sem que o percebamos, nos são apresentados, e internalizados e reproduzidos em nossas práticas. Por exemplo, conjuntos de informações apresentadas via redes, a explicarem os fatos cotidianos, a explicarem sentimentos, como se explica uma operação matemática – o que então atravessará os nossos modos de sentir o mundo e a nós próprios.
Desse modo, o que outrora seria uma experiência com o mundo, no sentido de sermos tomados, arrebatados por algo que não conseguimos nomear, no sentido de uma espécie de apaixonamento para com algo do mundo, agora se torna reduzido a uma correlação entre dados, sob uma lógica que busca tudo explicar. Utilizando de uma metáfora do autor, oferece-se um excesso de luz onde outrora havia a possibilidade de uma penumbra e o desconhecido que esta resguarda. As atividades perdem certa penumbra, perdem certo mistério. As atividades então são realizadas e concluídas (quando concluídas) de um modo “automático”, operacionalizado, para se passar à seguinte e à seguinte. Com isso, já não resta a possibilidade de uma certa "abertura do olhar" durante ou após o realizar de uma atividade. Na relação com as atividades ou mesmo com objetos cotidianos, compreende-se que estas/estes já não carregam em si a possibilidade de serem "abertas" a um certo porvir. Eis uma diferença entre uma obra literária e uma obra transparente, por exemplo.
Trata-se, segundo o autor, de uma sociedade pornográfica, em que tudo está exageradamente explícito. Existe um excesso de informações sobre cada corpo e as suas relações com o mundo. A vida e os seus acontecimentos se tornam correlações entre dados, de modo a ameaçar inclusive a produção de narrações e sentidos sobre a vida de cada um, pois um número é um número – o defende Han. O número não narra nem produz narração que ofereça qualquer possibilidade de referência ou amparo ao sentimento de desamparo e na busca do indivíduo por referências na sociedade contemporânea.
E no que concerne à experiência temporal nesta sociedade, trata-se de um tempo estritamente cronológico, acelerado e que parece mais acelerar, entre picos de aceleração desordenados, consoante a diversidade de atividades realizadas e que contribuem para a positividade. Um tempo cronológico em detrimento do tempo da negatividade: kairológico, dionisíaco, que desafia a racionalidade cronológica.
Ainda segundo o autor, o modo como tocamos o mundo na sociedade da transparência tem como metáfora o tocar em uma superfície lisa. Uma superfície representada pela tela dos smartphones. Uma superfície lisa, onde deslizam os dedos – característica da positividade. Uma espécie de superfície que também funciona como espelho, a contribuir com o narcisismo de cada indivíduo. Esta perspectiva é simbolicamente representada a partir de uma constante realização de selfies – ainda que exista um jardim à sua frente, a sua imagem poderá se sobrepor ao jardim durante uma fotografia. Já não se fotografa o jardim. O indivíduo fotografa-se a si próprio. Por outro lado, a superfície da experiência com o mundo e a sua negatividade seria uma espécie de superfície estriada, onde sentimos diferentes camadas, paradas, atritos. O primeiro tipo de superfície sobrepõe-se ao segundo, exigindo uma espécie de parar, um diminuir o ritmo das atividades cotidianas, e sentir o jardim em um aqui e agora, onde não se alimentam certezas, egos e narcisismos. Pelo contrário: são desafiados.
Além disso, muitos dos usos que se fazem das tecnologias efetivam-se de um modo transparente, contribuindo para a transparência inclusive nas relações com o outro, em que cada um se expõe de modo transparente nas redes, em busca de likes, onde estes se confundem com afetos, segundo uma lógica de quanto mais transparente alguém se apresentar, mais likes (leia-se “mais afeto”). E com um breve pressionar sobre uma tela se bloqueia aquele contato que discorde de uma opinião. Aquele que, ao discordar, imponha uma barreira diante da transparência e da ideia de que tudo pode, em meio à positividade da transparência a também alimentar o narcisismo.
Ainda sobre estes usos de aparelhos tecnológicos sob uma lógica transparente e a nossa relação com o tempo e a ideia de finitude, o autor utiliza uma outra metáfora, em que realiza uma comparação entre a fotografia digital e a analógica. Para Han, a primeira traz consigo a falsa promessa de eternidade e controle sobre o tempo. Uma fotografia que está em arquivos de um computador. E não envelhece. Não se percebe o tempo passar. Mais do que isso: não se experimenta o tempo. Não se experimenta a vida. O autor acrescenta que este tipo de fotografia pode ser editável de acordo com as preferências do utilizador, de modo a tentar modificar um aspecto da realidade segundo os seus desejos. Seria como “polir” a realidade, retirar supostos “decalques”, deixá-la lisa, segundo um ideal.
Já na fotografia analógica, primeiramente ocorre todo um processo para a sua impressão, onde se misturam luz e penumbras. A fotografia é realizada, e somente depois, em um processo que leva certo tempo, é revelada. É preciso um tempo e um espaço para “revelá-la”. Não se sabe exatamente como a fotografia será – diminuindo assim a possibilidade de evitar um ou mais elementos que “não agradam”. Nesta fotografia, geralmente impressa, ocorre um registro de um aqui e agora e com aquilo que o aqui e o agora possam carregar. Ela conta uma história e vai se modificando de acordo com o passar do tempo. Vai-se amarelando, por exemplo. É como se ela, enquanto objeto, carregasse em si uma negatividade. Uma alusão à vivência no presente e o que este convoca. Um presente que carrega uma história. Um presente que passa e não se propõe eterno. Um presente que nos convoca a morte. Que carrega em si a possibilidade do contato com a finitude.
Portanto, a sociedade transparente é uma sociedade positiva, no sentido de valorizar as atividades que se orientam consoante os ideais neoliberais, os seus valores e as suas promessas (explicar tudo e em todos os detalhes de modo racional, a busca por manipular a realidade, a busca constante por afeto, a valorização narcísica e a negação da diferença, a negação da finitude, etc.), em detrimento das atividades contemplativas. Neste sentido, na sociedade transparente o corpo e o mundo não devem ser experimentados. Estão mapeados, numerificados. Tudo está sob a luz. A vida transparente seria uma espécie de vida sem vida, mais próxima à vida de zumbis que vemos nos livros ou nos cinemas. A vida de alguém que não morre. E por isso não vive. Uma vida sem acontecimentos. Uma vida sem paixão. Uma vida sem pathos e sem Eros.
Apresentamos a seguir alguns trechos retirados da obra.
“Las cosas se hacen transparentes cuando abandonan cualquier negatividad, cuando se alisan y allanan, cuando se insertan sin resistencia en el torrente liso del capital. Las acciones se tornan transparentes cuando se hacen operacionales, cuando se someten a los procesos de cálculo, dirección y control” (pp. 11-12)
“El tiempo se convierte transparente cuando se nivela como la sucesión de un presente disponible. También el futuro se positiva como presente optimado. El tiempo transparente es un tiempo carente de todo destino y evento” (p. 12)
“El lenguaje transparente es una lengua formal, puramente maquinal, operacional, que carece de toda ambivalencia” (p. 13)
“Solo la máquina es transparente. La espontaneidad, lo que tiene la índole de un acontecer y la libertad, rasgos que constituyen la vida en general, no admiten ninguna transparencia” (p. 14)
“(…) una relación transparente es una relación muerta, a la que le falta toda atracción, toda vitalidad. Solo lo muerto es totalmente transparente” (p. 16)
“La ciencia positiva, basada en los datos, no es la causa, sino, más bien, la consecuencia de un final de la teoría, en el sentido auténtico, que se aproxima” (p. 20)
“Si el mundo se convierte en un espacio de exposición, el habitar no es posible. El habitar cede el paso a la propaganda, que sirve para elevar el capital de la atención” (p. 30)
“Es obscena la hipervisibilidad, a la que falta toda negatividad de lo oculto, lo inaccesible y lo misterioso. También son obscenos los torrentes lisos de la hipercomunicación, que está libre de toda negatividad de la alteridad” (p. 30)
“La transparencia va unida a un vacío de sentido” (p. 32)
“La transparencia o la univocidad serían el final del Eros, es decir, la pornografía” (p. 36)
“(…) la información es desnuda. La desnudez de la palabra le quita todo encanto, la allana” (p. 43)
“El rostro expuesto sin misterios no muestra otra cosa que exhibir. No oculta ni expresa nada. Por así decirlo, se ha hecho transparente” (p. 49)
“La adición es más transparente que la narración. Solo puede acelerarse un proceso que es aditivo y no narrativo” (p. 60)
“La sociedad de la transparencia elimina todos los rituales y ceremonias, en cuanto que estos no pueden hacerse operacionales, porque son un impedimento para la aceleración de los cilos de la información, la comunicación y la producción” (p. 60)
“La coacción de la transparencia destruye el aroma de las cosas, el aroma del tiempo” (p. 64)
“La exhibición digital y el control panóptico se compenetran. El exhibicionismo y el voyeurismo alimentan las redes como panóptico digital. La sociedad del control se consume allí donde su sujeto se desnuda no por coacción externa, sino por la necesidad engendrada en sí mismo, es decir, allí donde el miedo de tener que renunciar a su esfera privada e íntima cede a la necesidad de exhibirse sin vergüenza” (pp. 89-90)
“En la sociedad de la transparencia no se forma ninguna comunidad en sentido enfático. Surgen solamente acumulaciones o pluralidades casuales de individuos aislados para sí, de egos, que persiguen un interés común o se agrupan en torno a una marca (…). Se distinguen de reuniones que sean capaces de una acción común, política, de un nosotros” (p. 93).
Última atualização em 9 de abril de 2025